sábado, 21 de março de 2015

Ninguém nasce mulherão, torna-se


Há alguns anos, um amigo disse que eu era um mulherão difícil de encarar. Fiquei perplexa. Foi a primeira de muitas dispensadas desse gênero que eu iria colecionar a partir dali.

Hoje esse comportamento já não me surpreende: acho graça, tenho preguiça, de vez em quando fico triste. Mas que raios significa esse tal de “mulherão”?

Em primeiro lugar, estou longe de ser uma mulherona. Não sou grande, nem gorda, nem voluptuosa. Em sentido literal, não tenho nada de mais e poderia perfeitamente passar despercebida. Minha beleza se realiza muito mais nos traços do meu caráter do que no aspecto físico (outro dia falo mais sobre isso). Ainda assim, é fato que sou considerada uma mulher muito atraente. Isso torna alguns homens mais tímidos, mas não chega a coibir demonstrações de interesse. Tem quem se jogue, tem quem fique rodeando, mas quem quer se aproximar se aproxima.

Se a coisa não é física, talvez seja intelectual. No entanto, ainda que sejamos mais difíceis de afrontar, não me parece que mulheres inteligentes correspondam a “mulherão” no imaginário do homem médio. Ao contrário, as inteligentes somos nerds, chatas, barangas, histéricas... mas nada a temer. E o mulherão é algo temível.

Um enigma. Fisicamente estou mais para mulherinha e intelectualmente me alinho às feministas “mal-comidas”. No entanto, sempre aparece esse atemorizante, ameaçador, substantivo e masculino mulherão a espantar da minha cama aquele amigo e tantos outros. Acho que é esse o ponto: o que me torna atraente é também o que assusta.

Não sou nem de longe um “mulher fálica”, não estou em disputa de poder com ninguém, mas sou uma mulher visivelmente empoderada. E isso significa bastante coisa: significa que estou confortável no meu corpo, não importa a forma que ele assuma, e que há tempos fiz as pazes com a minha sexualidade. Significa que gosto de sexo e não vejo problema em gostar, que sei muito bem do que meu corpo é capaz e também sei que meu prazer depende essencialmente de mim. Querendo ou não, isso transparece (ou “exala”, como muitos dizem), é o tal do sex appeal. De fato, sou bastante segura e disponível para sexo e amizade. Sexo consensual, com respeito, sem intriga e sem posse. Com amor ou sem amor – mas com humor.

Tomei posse do meu corpo, estou à vontade nele, uso pra me divertir e o resto não era pra ser problema meu. Só que é. Porque a maior parte dos homens corre dessa mulher que eles tanto dizem desejar. Porque o machismo afeta todo mundo, castra mulheres e homens e porque, no caso deles, deve ser muito desgastante viver com a própria masculinidade sempre sob ameaça.
Ninguém nasce mulherão, torna-se. Fica o convite à leitura de Tudo que eu pensei mas não falei na noite passada pra ver como tudo isso foi construído. 

Não foi fácil. Ainda não é. Mas é bem gostoso.