Corpo: espírito e nervos
Há alguns anos decidi escrever
sobre sexo. Não lembro se o primeiro impulso era registrar uma explosão de libido,
compreender essa enorme potência ou ganhar um dinheirinho escrevendo sacanagem
barata por aí. Acho que a última alternativa. Ainda não tinha superado a falta
de confiança nas minhas capacidades que todas as mulheres aprendemos a ter. Ainda
não superei completamente.
Tudo vinha antes do sexo. E quando chegava a hora que realmente me interessava
– encontro entre corpos, calor, cheiro, fluidos... – meia dúzia de palavras e
fim.
Os expedientes do fidalgo a fim
de deflorar a criada, o orgasmo performático da modelo que não sabe o que é o
clitóris cavalgando uma sela no ateliê do pintor, o marido que trai a esposa
com a cunhada, grandes orgias de sexo mais uivado que vivido, adoração por
botas de couro e mil outras variações que sempre giravam em torno de sedução,
transgressão, fetiche, violência e logro. Sexo que é bom, quase nada.
Na verdade, o sexo
que eu encontrava na literatura não me parecia nem muito bom, nem muito sexo.
Faltava fluência, alegria, humor, curiosidade, confiança e, principalmente,
corpo. Decidi que era necessário afirmar esse ponto de vista: apenas espírito e
nervos. Agora você me conta se a obra realizou a ideia. Ou se o espírito da
coisa ganhou corpo. Começa assim:
A MULHER QUE EU ME TORNEI
A mulher que eu me tornei sabe que o orgasmo é dela, e por isso o
oferece facilmente. A mulher que eu me tornei é atraente: fora do quarto e da
casa, também existe sexualmente. A mulher que eu me tornei ama sem amo, goza e
não usa, dá e não cede. Toda a sua
dimensão tem tesão. Não esquenta no
fogão e nem esfria na pia: ela é antimonogamia. Não é anódina ou mofina, nem
pesada e nem franzina – a mulher que eu me tornei é bailarina. A mulher que eu
me tornei tem uma existência criativa, a mulher que eu me tornei goza com a
vida. Se exibe de calcinha, cavalga o homem olhando, fala imundícies, trepa
sorrindo, goza gritando. A mulher que eu me tornei goza só imaginando. A mulher
que eu me tornei goza chupando...