sexta-feira, 20 de março de 2015

Corpo: espírito e nervos

Há alguns anos decidi escrever sobre sexo. Não lembro se o primeiro impulso era registrar uma explosão de libido, compreender essa enorme potência ou ganhar um dinheirinho escrevendo sacanagem barata por aí. Acho que a última alternativa. Ainda não tinha superado a falta de confiança nas minhas capacidades que todas as mulheres aprendemos a ter. Ainda não superei completamente.
Então fui ler toda literatura erótica/pornográfica que pude alcançar. E fiquei entediada, nossa! Minha impressão era que, mesmo quando a literatura se propunha a falar de sexo, o sexo sempre ficava por último. Ora por baixo de lençóis de seda e luzes macias, ora como resultado de conquista, engodo, brutalidade; ficava em segundo plano diante do fetiche ou resignado à sua insignificância perante uma grande transgressão.
Tudo vinha antes do sexo. E quando chegava a hora que realmente me interessava – encontro entre corpos, calor, cheiro, fluidos... – meia dúzia de palavras e fim.
Os expedientes do fidalgo a fim de deflorar a criada, o orgasmo performático da modelo que não sabe o que é o clitóris cavalgando uma sela no ateliê do pintor, o marido que trai a esposa com a cunhada, grandes orgias de sexo mais uivado que vivido, adoração por botas de couro e mil outras variações que sempre giravam em torno de sedução, transgressão, fetiche, violência e logro. Sexo que é bom, quase nada.
Na verdade, o sexo que eu encontrava na literatura não me parecia nem muito bom, nem muito sexo. Faltava fluência, alegria, humor, curiosidade, confiança e, principalmente, corpo. Decidi que era necessário afirmar esse ponto de vista: apenas espírito e nervos. Agora você me conta se a obra realizou a ideia. Ou se o espírito da coisa ganhou corpo. Começa assim:

A MULHER QUE EU ME TORNEI

A mulher que eu me tornei sabe que o orgasmo é dela, e por isso o oferece facilmente. A mulher que eu me tornei é atraente: fora do quarto e da casa, também existe sexualmente. A mulher que eu me tornei ama sem amo, goza e não usa, dá e não cede. Toda a sua dimensão tem tesão. Não esquenta no fogão e nem esfria na pia: ela é antimonogamia. Não é anódina ou mofina, nem pesada e nem franzina – a mulher que eu me tornei é bailarina. A mulher que eu me tornei tem uma existência criativa, a mulher que eu me tornei goza com a vida. Se exibe de calcinha, cavalga o homem olhando, fala imundícies, trepa sorrindo, goza gritando. A mulher que eu me tornei goza só imaginando. A mulher que eu me tornei goza chupando...