Sobre o dia das mães
Já
faz tempo que ando encafifada com uma entrevista que li:
“Nós não tivemos pai, as mães sofrendo e a fome
batendo. Eu sempre falo para os meus filhos: Não cobra de mim ser um bom pai
porque eu não tive pai’”.
O depoimento é de um artista famoso e me impressionou
pela aceitação cândida de uma impossibilidade. Seguindo a lógica do raciocínio,
os filhos do artista não poderiam ser bons pais porque não tiveram um bom pai,
ou seriam bons pais porque tiveram pai, mesmo que ruim? Complicado...
Reconheço a verdade preguiçosa que há na fala do
artista: um pai ausente ou ruim, tomado (mesmo inconscientemente) como
referência, pode deixar no filho uma tendência à repetição. Também entendo que
exista no depoimento uma expressão bastante pura do senso comum patriarcal, que
considera dado e inquestionável o fato de que mães e pais são coisas
completamente diferentes. E não desconsidero os meandros da divisão sexual do
trabalho, de sua naturalização como capacidades e incapacidades inatas ao
feminino e ao masculino etc.
É mesmo um imbróglio! Mas, a partir do momento em que
um homem se propõe a ser um bom pai, não é possível ir desfazendo esses nós?
Afinal, afora gerar, parir e amamentar, o que uma mãe faz que um pai não
poderia fazer? Em outras palavras, seria impossível aprender a ser pai com a sua
mãe?
Imagino que esse artista e todos os filhos de pais
ausentes puderam observar que sua mãe os pegou no colo, trocou infinitas fraldas,
cantou para que eles dormissem, velou as noites de febre e resfriados, assoprou
o dodói do joelho, deu muitos beijinhos, ensinou parlendas, se desdobrou no
trabalho para comprar roupas, leite e brinquedos, tirou da própria boca para
dar aos filhos, enfrentou filas no posto de saúde e na matrícula escolar,
chegou todas as noites em casa cansada demais para brincar, mas mesmo assim
brincou, ensinou a usar a colher e o penico, a dizer obrigado e por favor e
tentou ensinar a diferença entre o que é bom e o que é ruim da melhor maneira
possível.
Também puderam observar que, entre trabalho, casa,
filhos e privação de sono, sua mãe nunca mais teve descanso. E que ela aprendeu
a descansar de uma coisa enquanto fazia a outra e a se contentar com pequenas e
raras pausas.
Pois é, a paternidade é isso também: cuidado, carinho,
limites e muito trabalho. Igualzinho à maternidade, só que dividida por dois
adultos menos exaustos e mais aptos a criar uma criança feliz.
Pelas mulheres que são ou serão mães, pelas crianças e
também pelos pais, desejo que todos tomem para si a responsabilidade pela
criação dos filhos. De agora em diante.